Não existem estudos que permitam determinar se, tendo em vista o sucesso escolar, existe um número ideal de alunos por turma. Mas esta incerteza científica só torna ainda mais inflamado o debate em torno da questão lançada pelo Movimento Escola Pública (MEP), que esta semana entregou na Assembleia da República uma petição em defesa da redução do número de alunos por turma.
A petição pede um máximo de 19 alunos no 1.º ciclo e de 22 nos restantes anos de escolaridade
Por baixo assinam nada menos do que 18 mil pessoas. De que foi feito o sucesso da petição? Do "bom senso" da medida, como alguns alegam? Ou do seu populismo, como outros criticam?
Quatro dias depois de ter sido lançada, a 1 de Maio, a petição já tinha reunido as quatro mil assinaturas necessárias para obrigar os deputados a debater o assunto em plenário. E o facto de o secretário de Estado da Educação, João Mata, ter vindo a público deixar claro que a resposta positiva do Governo estava fora de questão não fez abrandar o ritmo das adesões - pelo contrário. Até porque o governante não se limitou a assegurar que, das 60 mil turmas existentes no ensino público, 60 por cento já têm menos de 22 alunos e que não há correlação entre a dimensão das turmas e o sucesso escolar. De passagem, acrescentou: "Verifica-se, inclusive, que as turmas com menos de dez alunos são as que geram maiores taxas de insucesso escolar".
Foi uma frase incendiária para os blogues sobre Educação. "A resposta do secretário de Estado não é séria. Todos sabemos que quase todas as turmas pequenas em Portugal são constituídas a partir de alunos que já têm um historial grande de dificuldades", reclamou Miguel Reis, no blogue do Movimento Escola Pública. Depois, enumerou os três tipos de turmas que em Portugal podem ter dez ou menos alunos: "Turmas dos cursos profissionais - muitas vezes atirados para esta solução de recurso devido ao insucesso; turmas das escolas dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, precisamente de bairros muito desfavorecidos e onde o insucesso é muito comum; e turmas de repetentes".
Uma proposta populista?
Miguel Reis ainda assinala a contradição entre a frase e a política do Governo, recordando que "se essas turmas pequenas existem é porque há um reconhecimento do Estado de que se trata de uma medida favorável ao sucesso escolar". Pedro Araújo, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, não é menos incisivo quando frisa que o Ministério da Educação "só dá autorização para diminuir a dimensão das turmas em casos muito especiais, muito justificados e em que há alunos com situações muito problemáticas". "Não entendo - pretenderá o ministério aumentar o insucesso?", ironiza.
Carlos Ceia, docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenador dos mestrados e da investigação na área do Ensino, mostrou-se especialmente indignado com o facto de o governante ter afirmado que a petição se baseia "numa ideia falsa". "Qualquer professor de qualquer país do mundo sabe que com um grupo de trabalho pequeno as hipóteses de sucesso são muito superiores e só quem está muito, muito distante da realidade da escola pode, com honestidade intelectual, defender o contrário", analisa.
Pedro Araújo - que ressalva que não considera a redução de alunos por turma "exequível a curto prazo, por falta de salas de aula disponíveis em muitas das escolas" - também diz não entender como pode o secretário de Estado ter "dúvidas de que com turmas com menos alunos se obtêm melhores resultados em termos académicos e de formação para a cidadania". Na sua perspectiva, "é uma verdade incontestável".
O peso da dimensão das turmas no sucesso escolar, contudo, não é pacífico. Na obra O Professor e a Caverna de Platão, que será lançada dia 16 pela editora Caleidoscópio, Carlos Ceia defende que a redução do número de alunos por turma, em especial nos dois primeiros ciclos do ensino básico, "devia ser um pilar central de qualquer política educativa".
Pedro Sales Rosário, professor e investigador do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho e responsável pelo Grupo Universitário de Investigação em Auto-Regulação, discorda. "A petição reuniu tantos subscritores porque defende uma medida populista, da psicologia light", provoca o investigador.
Se Carlos Ceia, Miguel Reis e Pedro Araújo admitem que aquela medida não basta para garantir o sucesso, Sales Rosário considera-a "demagógica". "De que serviu aumentar as aulas de 50 para 90 minutos se aparentemente (porque não há estudos sobre isso) os professores continuaram a dar as aulas da mesma maneira? Não serviu de nada, como de nada serviria diminuir as turmas sem que essa medida fosse integrada numa mudança profunda no sistema educativo e, em particular, nas práticas desenvolvidas pelos docentes em sala de aula", considera o investigador.
Nada optimista, Sales Rosário ainda soma às condições para o combate ao insucesso "uma mudança de mentalidade quase impossível de concretizar". Acredita que falta aos portugueses - "sejam alunos, professores ou quaisquer outros profissionais" - "uma cultura de trabalho, de esforço, de disciplina". E que "não é por acaso que alunos russos e ucranianos se tornam em pouco tempo os melhores alunos da turma - seja ela grande ou pequena"; ou que "no Luxemburgo são precisamente os portugueses, estejam eles integrados em turmas grande ou pequenas, quem mais preocupação causa devido a dificuldades de aprendizagem e ao insucesso e abandono escolares".
Dulce Gonçalves, investigadora e professora universitária que trabalha com crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem no Centro de Psicologia Clínica Educacional de Lisboa, tem uma visão menos radical das possibilidades de transformação do sistema de ensino. Ressalva que é preciso investir paralelamente em áreas como as condições físicas de trabalho e a formação de professores, mas concorda que há uma tendência para a diminuição de indivíduos por turma.
"Há 35 anos, as crianças viam durante os mesmos 15 minutos os mesmos desenhos animados, liam os mesmos livros, tinham os mesmos jogos... Hoje cada uma é sujeita a estímulos muito diferentes e a escola terá cada vez mais de promover a exploração dessa diversidade, o que só é possível com grupos de menores dimensões", justifica.
in Público, 11-06-2010. Jornalista: Graça Barbosa Ribeiro
A petição pede um máximo de 19 alunos no 1.º ciclo e de 22 nos restantes anos de escolaridade
Por baixo assinam nada menos do que 18 mil pessoas. De que foi feito o sucesso da petição? Do "bom senso" da medida, como alguns alegam? Ou do seu populismo, como outros criticam?
Quatro dias depois de ter sido lançada, a 1 de Maio, a petição já tinha reunido as quatro mil assinaturas necessárias para obrigar os deputados a debater o assunto em plenário. E o facto de o secretário de Estado da Educação, João Mata, ter vindo a público deixar claro que a resposta positiva do Governo estava fora de questão não fez abrandar o ritmo das adesões - pelo contrário. Até porque o governante não se limitou a assegurar que, das 60 mil turmas existentes no ensino público, 60 por cento já têm menos de 22 alunos e que não há correlação entre a dimensão das turmas e o sucesso escolar. De passagem, acrescentou: "Verifica-se, inclusive, que as turmas com menos de dez alunos são as que geram maiores taxas de insucesso escolar".
Foi uma frase incendiária para os blogues sobre Educação. "A resposta do secretário de Estado não é séria. Todos sabemos que quase todas as turmas pequenas em Portugal são constituídas a partir de alunos que já têm um historial grande de dificuldades", reclamou Miguel Reis, no blogue do Movimento Escola Pública. Depois, enumerou os três tipos de turmas que em Portugal podem ter dez ou menos alunos: "Turmas dos cursos profissionais - muitas vezes atirados para esta solução de recurso devido ao insucesso; turmas das escolas dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, precisamente de bairros muito desfavorecidos e onde o insucesso é muito comum; e turmas de repetentes".
Uma proposta populista?
Miguel Reis ainda assinala a contradição entre a frase e a política do Governo, recordando que "se essas turmas pequenas existem é porque há um reconhecimento do Estado de que se trata de uma medida favorável ao sucesso escolar". Pedro Araújo, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, não é menos incisivo quando frisa que o Ministério da Educação "só dá autorização para diminuir a dimensão das turmas em casos muito especiais, muito justificados e em que há alunos com situações muito problemáticas". "Não entendo - pretenderá o ministério aumentar o insucesso?", ironiza.
Carlos Ceia, docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenador dos mestrados e da investigação na área do Ensino, mostrou-se especialmente indignado com o facto de o governante ter afirmado que a petição se baseia "numa ideia falsa". "Qualquer professor de qualquer país do mundo sabe que com um grupo de trabalho pequeno as hipóteses de sucesso são muito superiores e só quem está muito, muito distante da realidade da escola pode, com honestidade intelectual, defender o contrário", analisa.
Pedro Araújo - que ressalva que não considera a redução de alunos por turma "exequível a curto prazo, por falta de salas de aula disponíveis em muitas das escolas" - também diz não entender como pode o secretário de Estado ter "dúvidas de que com turmas com menos alunos se obtêm melhores resultados em termos académicos e de formação para a cidadania". Na sua perspectiva, "é uma verdade incontestável".
O peso da dimensão das turmas no sucesso escolar, contudo, não é pacífico. Na obra O Professor e a Caverna de Platão, que será lançada dia 16 pela editora Caleidoscópio, Carlos Ceia defende que a redução do número de alunos por turma, em especial nos dois primeiros ciclos do ensino básico, "devia ser um pilar central de qualquer política educativa".
Pedro Sales Rosário, professor e investigador do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho e responsável pelo Grupo Universitário de Investigação em Auto-Regulação, discorda. "A petição reuniu tantos subscritores porque defende uma medida populista, da psicologia light", provoca o investigador.
Se Carlos Ceia, Miguel Reis e Pedro Araújo admitem que aquela medida não basta para garantir o sucesso, Sales Rosário considera-a "demagógica". "De que serviu aumentar as aulas de 50 para 90 minutos se aparentemente (porque não há estudos sobre isso) os professores continuaram a dar as aulas da mesma maneira? Não serviu de nada, como de nada serviria diminuir as turmas sem que essa medida fosse integrada numa mudança profunda no sistema educativo e, em particular, nas práticas desenvolvidas pelos docentes em sala de aula", considera o investigador.
Nada optimista, Sales Rosário ainda soma às condições para o combate ao insucesso "uma mudança de mentalidade quase impossível de concretizar". Acredita que falta aos portugueses - "sejam alunos, professores ou quaisquer outros profissionais" - "uma cultura de trabalho, de esforço, de disciplina". E que "não é por acaso que alunos russos e ucranianos se tornam em pouco tempo os melhores alunos da turma - seja ela grande ou pequena"; ou que "no Luxemburgo são precisamente os portugueses, estejam eles integrados em turmas grande ou pequenas, quem mais preocupação causa devido a dificuldades de aprendizagem e ao insucesso e abandono escolares".
Dulce Gonçalves, investigadora e professora universitária que trabalha com crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem no Centro de Psicologia Clínica Educacional de Lisboa, tem uma visão menos radical das possibilidades de transformação do sistema de ensino. Ressalva que é preciso investir paralelamente em áreas como as condições físicas de trabalho e a formação de professores, mas concorda que há uma tendência para a diminuição de indivíduos por turma.
"Há 35 anos, as crianças viam durante os mesmos 15 minutos os mesmos desenhos animados, liam os mesmos livros, tinham os mesmos jogos... Hoje cada uma é sujeita a estímulos muito diferentes e a escola terá cada vez mais de promover a exploração dessa diversidade, o que só é possível com grupos de menores dimensões", justifica.
in Público, 11-06-2010. Jornalista: Graça Barbosa Ribeiro
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