06/06/2009

Ana Maria Bettencourt assume presidência do CNE

Público. 5-06-2009

Foi deputada do PS, foi assessora para a Educação do Presidente da República Jorge Sampaio e assumiu agora a presidência do Conselho Nacional da Educação (CNE). Ana Maria Bettencourt é professora e investigadora. É o contacto com as escolas do Norte da Europa que a faz ter a certeza que para conquistar o sucesso escolar é preciso mais trabalho, de professores e de alunos. Ainda não sabe qual vai ser a agenda do CNE para os próximos quatro anos, mas quer dar continuidade ao parecer sobre a educação dos 0 aos 12 anos, assim como a outro sobre o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos. “Como organizar a escola, para que todos aprendam”, é a grande questão a responder em ambos os pareceres.

Extractos da
entrevista:

(...)a ministra propôs a introdução de uma segunda língua no 2.º ciclo. Concorda?
Na Finlândia, há alunos dessas idades [10 a 12 anos] a estudar cinco línguas, há percursos muito centrados nas línguas porque os finlandeses dizem que são um país periférico e têm que aprender. O problema não é o ensino de duas línguas, mas a consolidação da compreensão das mesmas. O estudo de uma língua estrangeira é um problema, tal como são todas as disciplinas com muitas precedências, que exigem consolidação de competências.

Como acontece também com a Matemática. Como é que se resolve esse problema?
Hoje em dia, temos mais capacidade para resolver problemas, mas para isso, os professores têm que trabalhar mais. Não podem ser só as famílias, embora estas sejam importantes; é a escola que tem que ter muito mais responsabilidade.

Até que ponto os professores não continuam a contar muito com a família para dar apoio ou para pagar explicações?
A OCDE tem um documento sobre o insucesso escolar em que recomenda: “Intervir ao primeiro sinal de dificuldade”. Ou seja, não deixar arrastar dificuldades, porque isso põe problemas gravíssimos às disciplinas com precedência. Outra coisa importante é a capacidade de diferenciar percursos, ou seja, quando há um aluno com dificuldades, a escola tem que ser mais organizada nos percursos individuais. A escola deve assentar não no aluno imaginário, mas naquele que existe. Não é o ensino centrado no programa, mas no aluno, porque o programa é pouco útil se os alunos não aprenderem. Essa mudança de paradigma é muito importante: pôr os alunos a trabalhar sozinhos, a corrigir os seus trabalhos, enquanto os professores ajudam os que têm mais dificuldades.

Mas os alunos não têm só problemas de aquisição de conhecimentos, mas de comportamento...
Aí deve haver tolerância zero.

Tem sido acusada de “facilitismo” porque defende que os alunos não devem chumbar?*
Faciltismo? Odeio essa palavra. Um aluno que chumba várias vezes é porque não foi apoiado e vai acabar por desistir, o que é mau para ele e para o país. O que defendo é que os professores compreendam as dificuldades dos alunos, insistam e trabalhem muito. Isto é muito importante, para poder resolver, porque se não, os professores dão sempre mais do mesmo. Um dos aspectos que me impressionou na escola finlandesa foi os alunos trabalharem imenso. Existem alunos com dificuldades, são apoiados e vão fazer a sua escolaridade. Eu defendo isto e não que os alunos passem sem saber. O que proponho não é facilitismo, mas mais trabalho para os professores e para os alunos.

Mas esses apoios já existem na escola, onde há aulas de apoio e de recuperação. É preciso mais?
Eu não falo desses apoios, mas do trabalho do professor na sala de aula, com os alunos. O professor tem que ensinar mais e de outras maneiras. É muito importante o trabalho em sala de aula, porque se o aluno tiver que trabalhar, não pode fazer gazeta e aprende. Isto não é facilitismo, facilitismo é a pessoa ignorar. A escola não pode ser indiferente às diferenças. O que diferencia as escolas, nos países do Norte da Europa, é a atenção dada aos alunos.

É desse modo que se evitam as retenções?
O insucesso escolar é uma situação insatisfatória e está provado que reter um aluno não resolve, isso prejudica os alunos que começam a criar resistências à aprendizagem. É preciso encontrar outra solução que é trabalhar mais e ir mudando os percursos.

Deve haver exames nacionais no final de cada ciclo?
O problema do sucesso nas aprendizagens não depende de mais exames. Está mais do que provado que não é com exames que se responde aos problemas dos alunos. As provas de aferição são um bom instrumento de auto-regulação. Há escolas que trabalham os resultados das provas de aferição. Também há outras que trabalham para a prova, o que é falsear a questão porque o objectivo não é ter bons resultados, mas é aprender com os resultados que se obtêm.


* Conselho Nacional de Educação propõe fim dos chumbos para alunos até aos 12 anos / 29-10-2008

[Alguns elementos sobre o Sistema Educativo da Finlândia: a escolaridade obrigatória é de nove anos, tal como em Portugal; as autarquias suportam todas as despesas, desde livros, materiais escolares, refeições, transportes e assistência médica; nas turmas em que há alunos com problemas de aprendizagem, há dois professores; as aulas funcionam com a ajuda do computador e os alunos começam, desde muito cedo, a trabalhar com vários programas informáticos; os filhos dos emigrantes têm aulas na sua própria língua, sendo os professores seleccionados pelas comunidades estrangeiras ali residentes; as escolas são avaliadas pelo seu desempenho e as que têm melhores resultados são contempladas com um reforço no seu orçamento.

Sobre o Sistema Educativo na Finlândia, consultar ainda:
Administração/Estrutura/Carreira Docente; Sistema de Ensino]

Nenhum comentário: